Em 2018, Ross Douthat, do New York Times, introduziu a frase “woke capitalism”, algo como um “capitalismo lacrador”. Essencialmente, Douthat sugeriu que o capitalismo lacrador funciona substituindo o valor simbólico pelo valor econômico. Sob o capitalismo lacrador, as corporações oferecem aos trabalhadores placebos retóricos em vez de concessões econômicas mais caras, como salários mais altos e melhores benefícios. Os mesmos gestos de lacração também apaziguam a elite política progressista, promovendo suas agendas de política de identidade, pluralismo de gênero, direitos transgêneros, menos restrições de imigração, mitigação das mudanças climáticas e assim por diante. Em troca, as empresas lacradoras esperam menos impostos, aumento de regulamentações e legislação antitruste voltada para monopólios. Embora o capitalismo lacrador aliene os conservadores culturais, conservadores permanecem pró-corporações, tornando o capitalismo lacrador uma estratégia que só tem a ganhar para as corporações.
O colunista do Business Insider, Josh Barro, sugeriu que o capitalismo lacrador fornece uma forma de representação parapolítica para trabalhadores e consumidores corporativos. Dada sua percepção de privação de direitos políticos, o capitalismo lacrador lhes oferece representação na esfera pública, pois eles veem seus valores refletidos em pronunciamentos corporativos.
Outros sugeriram que as corporações lacram apenas para serem poupadas do cancelamento por turbas no Twitter e outros ativistas, que o lacre é uma boa “ferramenta de branding” ou que os acionistas progressistas também exigem ativismo corporativo.
Mas o capitalismo lacrador não pode ser suficientemente explicado em termos de aplacar os esquerdistas, agradar os legisladores de esquerda ou evitar a ira dos ativistas. Em vez disso, à medida que o lacre aumentou e tomou conta de corporações e estados, tornou-se um dispositivo de demarcação, um lema para os membros do cartel se identificarem e se distinguirem de seus concorrentes não lacradores, que devem ser privados de investimentos de capital. O capitalismo lacrador tornou-se um jogo de monopólio.
Assim como os indivíduos não lacradores são cancelados da vida cívica, as empresas não lacradoras também são canceladas da economia, deixando os despojos para os lacradores. Os cancelamentos corporativos não são meramente o resultado de subprodutos políticos. Eles estão sendo institucionalizados e realizados por meio do mercado de ações. O Índice Ambiental, Social e de Governança (ESG) é uma pontuação de crédito social no “estilo chinês” para classificar empresas. Os planejadores lacradores empunham o Índice ESG para recompensar o seu grupinho e expulsar os não lacradores do mercado. O investimento lacrador afasta a propriedade e o controle da produção dos desobedientes. O Índice ESG serve como um ingresso para entrar nos cartéis lacradores.
Pesquisas sugerem que o investimento em ESG favorece as grandes empresas em relação às pequenas. O capitalismo lacrador confere o máximo de controle possível sobre a produção e distribuição nessas grandes e favorecidas corporações, ao mesmo tempo em que elimina indústrias e produtores considerados desnecessários ou inimigos.
A abordagem de investimento da BlackRock Inc., a maior gestora de ativos do mundo; da Vanguard, a segunda maior; e de outras respaldam essa interpretação. A BlackRock e a Vanguard estão solidamente por trás do capitalismo stakeholder – o ethos corporativo de beneficiar “stakeholders” mais ou em vez de acionistas.
Em sua “Carta aos CEOs de 2021”, o CEO da BlackRock, Larry Fink, deixou clara sua posição sobre as decisões de investimento, declarando que “risco climático é risco de investimento” e “a criação de investimentos em índices sustentáveis permitiu uma aceleração maciça de capital para empresas melhores preparadas para enfrentar o risco climático”. Fink prometeu uma “mudança tectônica” no comportamento dos investimentos, uma aceleração crescente dos investimentos indo para empresas “focadas em sustentabilidade”. Fink alertou os CEOs: “E como isso terá um impacto tão dramático na forma como o capital é alocado, toda equipe de gerenciamento e conselho precisarão considerar como isso afetará as ações de sua empresa”. Ao lançar o desafio dos stakeholders, Fink ecoou as palavras ameaçadoras do fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial (FEM), Klaus Schwab, que escreveu em junho de 2020: “Todo país, dos Estados Unidos à China, deve participar, e todos os setores, de petróleo e gás a tecnologia, devem ser transformados. Em suma, precisamos de um ‘Grande Reinício’ do capitalismo.”
Mas, ao contrário dos gestos retóricos de Schwab, o pronunciamento de Fink de “lacrar ou falir” não deve ser descartado como os discursos conspiratórios do Dr. Evil. Ele possui a força direta do capital por trás. Fink realiza o que Schwab só pode promover com propaganda.
A “Carta 2022 aos CEOs: o Poder do Capitalismo” de Fink continua a promoção do capitalismo de stakeholders, sugerindo que o capitalismo de stakeholders sempre foi o modus operandi de corporações capitalistas de sucesso:
Nas últimas três décadas, tive a oportunidade de conversar com inúmeros CEOs e aprender o que distingue as empresas verdadeiramente grandes. De vez em quando, o que todos eles compartilham é que eles têm um claro senso de propósito; valores consistentes; e, crucialmente, eles reconhecem a importância de se envolver e entregar para seus principais stakeholders. Esta é a base do capitalismo de stakeholders.
De acordo com Fink, o capitalismo de stakeholders não é uma aberração. Ele prossegue declarando, de forma bastante defensiva: “Não é uma agenda social ou ideológica. Não é ‘lacração’, é capitalismo”.
Klaus Schwab erige o espantalho do “neoliberalismo” – que ele equipara ao livre mercado – como fonte de problemas econômicos e sociais para as massas. Mas o corporativismo, o favoritismo corporativo e estatal que beneficiam diferencialmente setores e atores escolhidos dentro dos setores – e não a concorrência justa e livre – tem sido a verdadeira fonte do que Fink, Schwab e seus semelhantes criticam.
O corporativismo, também conhecido como “fascismo econômico”, envolve a produção coordenada e o funcionamento da sociedade por um consórcio de grupos de interesse dominantes. Na verdade, o capitalismo de stakeholders é uma forma de corporativismo. Além disso, apesar da afirmação de Fink em contrário, o corporativismo que ele promove exerce o poder corporativo e se baseia em sanções estatais para alcançar uma determinada agenda ideológica e política. Essa agenda é a lacração. O capitalismo lacrador é, portanto, mais precisamente chamado de corporativismo lacrador.
Sem surpresa, o capitalismo de stakeholders tem sido visto por alguns conservadores, e até mesmo por alguns socialistas, como uma nova abordagem para o avanço do socialismo. No entanto, o capitalismo de stakeholders lacrador não promove o socialismo de estado como tal. Em vez disso, tende ao socialismo corporativo. Em versões extremas, equivale ao capitalismo com características chinesas – um estado autoritário que, em última análise, dirige a produção com fins lucrativos de entidades corporativas sancionadas pelo estado.
O socialismo corporativista tem uma longa história, que remonta ao final do século XIX. Escrevi sobre essa história em conexão com os ideais monopolistas e socialistas de um certo King Camp Gillette, fundador da Gillette Razor Company. Gillette escreveu e financiou a escrita de vários livros para promover um socialismo baseado em corporações. Ele argumentou que o socialismo é melhor estabelecido pela corporação. Incorporações, fusões e aquisições continuariam até que toda a produção fosse finalmente incluída em uma “Corporação Mundial”, com todos os “cidadãos” detendo partes iguais. Embora essa não seja exatamente a visão de socialistas corporativistas contemporâneos como Fink e Schwab, eles não são menos presunçosos ou desdenhosos do livre mercado e usam a retórica da diversidade, equidade e inclusão como disfarce para seu fascismo econômico.
Da mesma forma, ao contrário da opinião “correta”, não é reacionário opor-se ao capitalismo lacrador. O fascismo econômico, em qualquer forma, é autoritário e totalitário. E, como Xi Jinping reconheceu em um discurso recente no Fórum Econômico Mundial, não é “igualitário”. Ele coloca o poder econômico e político nas mãos das elites corporativas e estatais, e usa a coerção e o poder estatal para concentrar o controle da riqueza em suas mãos – por mais que eles prometam redistribuí-la por meio da “justiça social”.
Além de construir estruturas culturais, econômicas e sociais paralelas, no curto prazo, o corporativismo lacrador pode ser desafiado pelo desinvestimento de corporações que respeitam ESG e pela oposição aos políticos que promovem essas corporações por meio do favoritismo legislativo.
Michael Rectenwald é Ph.D. em estudos literários e culturais, autor de onze livros, incluindo Thought Criminal, Beyond Woke, Google Archipelago e Springtime for Snowflakes.