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O Clube dos Psicopatas

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(Paulo Briguet, publicado no jornal Gazeta do Povo em 18 de setembro de 2024)

 

Detalhe que escapou a Dante em seu poema imortal, o Clube dos Psicopatas reúne-se periodicamente numa cava oculta do nono círculo do Inferno. De tempos em tempos, o Príncipe das Trevas permite que os sócios dessa nefasta confraria se encontrem para colocar a conversa em dia — ou melhor, em noite. Incapazes de arrependimento e perdão, tudo que podem fazer é remoer os próprios crimes.

Segundo as atas da mais recente reunião, o primeiro a tomar a palavra, em meio aos eternos lamentos e vagidos da escuridão, foi Roland Freisler:

— Eu não fui apenas um juiz, eu fui um artista da condenação. A justiça que impus em nome do Reich, ah, era sublime! Cada sentença de morte, uma obra-prima de disciplina. Sabiam que eu mandei mais de 5 mil traidores para a cova? Mais de 90% dos meus julgamentos terminavam em pena máxima. Para ser condenado, bastava a intenção de cometer o crime contra o Estado.

Com um esgar sardônico, Andrey Vichinsky interrompeu o colega:

— Ora, ora, camarada… O maior elogio que lhe fizeram foi confundi-lo comigo. Eu fui o homem do Grande Terror, o procurador dos Processos de Moscou… Quem pode se comparar a isso? Nem uma única família em toda a União Soviética escapou de nossa justiça. Eu reformulei a lei para servir à revolução. Cada prisão política era um passo em direção à pureza comunista. Não há virtude maior do que sacrificar os traidores.

Lênin, recostado em um trono de gelo, interferiu:

— Juízes, juízes… Ambos falam de poder, mas eu fui o arquétipo da Revolução. Com um único golpe, destruí um império e fiz nascer uma nova ordem. O que vale é a luta pela justiça, a aniquilação dos inimigos. Eu bebi o sangue dos contrarrevolucionários.

— Mas eu realizei plenamente o que você começou, Vladimir Ilitch! — retrucou Stálin. — Quem diria, um pobre assaltante de banco se tornou o homem mais poderoso do mundo. E até hoje as pessoas seguem as minhas ordens.

Adolf, com olhos ardentes, disse:

— Mas, senhores, foram minhas políticas que forjaram a história! Minha capacidade de mobilizar massas e instigar o medo é inigualável. O ódio que eu semeei nunca se acabou, basta olhar para as novas hordas de militantes.

Mao Tsé-tung soltou uma gargalhada:

— E eu, companheiro? O Grande Salto e Revolução Cultural ensinaram ao mundo que é preciso destruir para construir. O que são 70 milhões de vidas perdidas em nome da unidade? Até hoje meu retrato está na Praça da Paz Celestial.

Pol Pot, com um ar de empáfia, colocou-se à frente do camarada chinês:

— A transformação do Camboja em uma distopia agrícola é incomparável. Vocês pensam que é simples matar um terço de um país?

Os tiranos se entreolharam, cada um avaliando as atrocidades dos outros. A arrogância e a vaidade inchavam suas palavras, mas a angústia os envolvia, atraindo-os para a dor.

Após um momento de silêncio, Freisler quebrou a tensão:

— No entanto, uma questão me intriga. Vocês já observaram o grande país na América do Sul? Vejo que há aqueles que, mesmo em terras distantes, ecoam nossas vozes.

Vichinsky franziu a testa:

— É verdade. Tem gente fazendo um bom trabalho por lá. Nossa luta não foi em vão.

Lênin concordou:

— E não é isso que todos nós desejamos? Uma revolução permanente, a crítica radical de tudo que existe? O povo pode ser guiado pela ignorância e pelo medo.

Stálin sorriu:

— Sim, há uma nova geração disposta a abraçar a divisão. Eles podem não ter matado milhões ainda, mas têm a ousadia necessária. A história sempre se repete.

Pol Pot, com um olhar satisfeito, emendou:

— Se a história nos ensina algo, é que a escuridão nunca desaparece. O nosso legado está vivo, meus camaradas.

E assim, na voragem do inferno, as vozes dos psicopatas se erguiam, e se misturavam, se confundiam, em um coro macabro de vaidade e desespero, até que as frases se tornam ininteligíveis e os condenados mergulharam outra vez no lago de fogo, onde o amor nunca foi visto.

 

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