ONG ligada ao PT concentra 85% dos recursos de programa do governo Lula
Da Redação
Um programa do Ministério do Desenvolvimento Social para distribuir cisternas a famílias carentes concentra R$ 640,1 milhões, 85% da verba total, em uma Organização Não Governamental (ONG) comandada por integrantes do PT, partido do presidente Lula. Uma parte desses recursos foi repassada a outras entidades comandadas por ex-integrantes do governo do Piauí na gestão de Wellington Dias, atual chefe da pasta. As informações são do jornal O Globo.
Segundo o jornal carioca, o acordo do Ministério do Desenvolvimento Social com a Associação Um Milhão de Cisternas para o Semiárido (P1MC) foi assinado em 2023, após o governo Lula decidir ampliar o programa, investindo R$ 755,8 milhões. Do total desses recursos, R$ 640,1 milhões foram destinados à entidade comandada por dois integrantes do PT, filiados ao partido desde 1987. O valor representa o maior volume repassado pela pasta a uma mesma ONG desde o início do programa, há 22 anos.
O Ministério do Desenvolvimento Social negou irregularidades e afirmou que “vínculos político-partidários das organizações” não foram considerados na contratação.
A associação, porém, não executa as obras. A construção das cisternas é feita por entidades subcontratadas, que ficam responsáveis por executar o serviço em regiões específicas. Essa escolha é feita sem passar pelos processos de seleção do ministério.
O levantamento feito pelo jornal mapeou 37 ONGs comandadas por filiados ao PT subcontratadas por meio do programa de cisternas. Juntas, essas organizações receberam R$ 152 milhões até agora, o que representa 33,9% de todo o montante pago pelo governo federal à AP1MC por meio do convênio em vigor.
Entre as subcontratadas da ONG está a Cooperativa para o Desenvolvimento Rural e Sustentável da Agricultura Familiar do Piauí (Cootapi), que recebeu R$ 9 milhões para construir 775 cisternas no estado do ministro Wellington Dias. A entidade é comandada por dois integrantes do PT que ocuparam cargos no governo de Wellington Dias, em 2017. Um deles exerce uma função comissionada na gestão de Rafael Fonteles (PT), sucessor do ministro no Executivo estadual. Procurada, a Cootapi não respondeu.
De ex-assessor a candidatos
No município de Aracati (CE), a 150 quilômetros da capital Fortaleza, a Cooperativa Mista de Trabalho (Comtacte) foi subcontratada por R$ 4,6 milhões pela P1MC para construir 769 cisternas em cinco cidades do interior cearense. A entidade é comandada por um integrante do PT e ex-assessor do prefeito da vizinha Itaiçaba (CE), Antoniel Holanda (PT). No endereço onde a cooperativa está registrada, no bairro de Farias Brito, há apenas uma casa simples de alvenaria. Questionados, a cooperativa e seu presidente não responderam.
Uma ex-assessora de um deputado estadual do PT é quem está à frente da entidade subcontratada para fornecer cisternas em municípios de Pernambuco. O acordo prevê o repasse de R$ 6,4 milhões para o Centro de Educação Comunitária Rural (Cecor). A reportagem entrou em contato com a ONG, mas não obteve retorno.
Os repasses para a construção de cisternas foram feitos também para duas entidades dirigidas por ex-candidatos a vereador pelo PT em municípios do interior da Bahia. Em em Guanambi (BA), a 660 quilômetros de Salvador, o Instituto de Formação Cidadã foi contemplado com um contrato de R$ 3,4 milhões. Já em Manoel Vitorino (BA), distante 400 quilômetros da capital, um acordo de mesmo valor foi fechado com o Centro de Agroecologia do Semiárido. Procurados, os dirigentes negaram que a filiação partidária influenciou a contratação.
Auditoria e problemas na execução
As obras de cisternas possuem um histórico de problemas. Um relatório de auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou uma série de irregularidades identificados na execução do programa. O órgão vistoriou 205 equipamentos entregues entre 2020 e 2022 e constatou que 31% deles apresentavam algum tipo de defeito, como vazamentos e infiltrações. Dessas unidades, 10% estavam inutilizáveis por causa de rachaduras ou perda de água.
A auditoria da CGU também destacou como ponto de atenção a atual concentração dos recursos em uma única entidade, mas atribuiu o fato aos critérios de seleção utilizados pelo Ministério do Desenvolvimento Social, que leva em conta a experiência na área. O relatório do órgão de controle afirma que “os riscos existentes estão suficientemente controlados”.
‘Quentinhas invisíveis’
Além do programa de cisternas, o Ministério de Desenvolvimento Social enviou recursos para ONGs ligadas ao PT em uma ação de combate à fome. A pasta contratou por R$ 5,6 milhões uma entidade comandada por um ex-assessor do partido para distribuir quentinhas a pessoas em vulnerabilidade social, como a população em situação de rua.
A exemplo da construção de cisternas, o serviço era terceirizado a outras organizações, que também eram comandadas por pessoas ligadas a parlamentares petistas. Os acordos foram suspensos pela pasta após vir à tona que os alimentos não estavam sendo entregues.
A Polícia Federal abriu uma investigação para apurar o caso. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a CGU também apuram irregularidades envolvendo o programa.