‘Ministério da Verdade’ de Lula apoiou censura e rejeitou todas as denúncias contra o governo
Gazeta do Povo
No final de março de 2023, um órgão recém-criado pelo governo federal dentro da Advocacia-Geral da União (AGU) foi colocado à prova: a chamada Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD) havia começado a funcionar um mês atrás com a promessa de combater judicialmente a desinformação.
Segundo o decreto que instituiu a PNDD, que veio a ser apelidada de “Ministério da Verdade” por parlamentares de oposição ao governo, o órgão atuaria a partir do pluralismo político, e não como um braço do governo Lula para perseguir e silenciar opositores.
Naquele mês, o presidente Lula cometeu uma fake news envolvendo uma investigação da Polícia Federal (PF). Na ocasião, o petista disse que a operação que desarticulou um plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) para sequestrar autoridades seria uma armação do senador Sergio Moro (União PR). Moro, no entanto, era o principal alvo da facção.
Com Lula descredibilizando, sem provas, uma operação policial em que um senador da República era o principal alvo de uma facção criminosa, parlamentares de oposição ao governo pediram providências à PNDD. Mas as duas denúncias – do senador Eduardo Girão (Novo-CE) e do então deputado Deltan Dallagnol (Novo-PR) – foram rejeitadas.
Desde então, o arquivamento de denúncias feitas por políticos de oposição passou a ser a regra: em pouco mais de dois anos de atuação, a PNDD atuou basicamente como um órgão de apoio aos interesses do governo, especialmente na tentativa de coibir publicações e narrativas prejudiciais ao Executivo.
Segundo dados obtidos com exclusividade pela Gazeta do Povo via Lei de Acesso à Informação (LAI), até o momento o órgão aceitou 35 demandas vindas do governo – da presidência da República, de ministérios e secretarias e parlamentares que apoiam Lula. Por outro lado, rejeitou todas as denúncias de desinformação apresentadas por adversários do governo. Foram, ao todo, 25 denúncias protocoladas por deputados, senadores e cidadãos que não tiveram andamento dentro da PNDD.
Beneficiados com a atuação da PNDD vão de ministérios do governo a ministros do STF
Um dos vários casos de interferência indevida do órgão ocorreu há cerca de dois meses, quando a Procuradoria processou a produtora de viés conservador Brasil Paralelo por um documentário publicado em julho de 2023, que trouxe novas perspectivas ao controverso processo judicial envolvendo Maria da Penha e seu ex-marido. A ação foi uma demanda do Ministério das Mulheres.
Na ação, a Procuradoria pede que a Brasil Paralelo pague R$ 500 mil por danos morais coletivos a serem revertidos ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), que pertence ao governo. O órgão pretende, ainda, exibir uma nota no documentário informando que as versões apresentadas são mentirosas. O caso está em tramitação na Justiça Federal em São Paulo.
Outra das várias pastas do governo que tiveram pedidos atendidos pelo “Ministério da Verdade” é a da Cultura. Em novembro do ano passado, a Procuradoria notificou o site de cobertura cultural Farofafá exigindo a publicação de um direito de resposta após o veículo ter feito críticas à gestão do ministério. Segundo a PNDD, a correção foi necessária para “garantir a integridade da informação”.
“O objetivo implícito do governo é silenciar críticas?”, questionou editorial do Farofafá. O site, que não assume postura crítica ou de apoio ao governo, alega que “cobre políticas culturais há mais de uma década e publica tanto as boas quanto as más novas do setor”.
Flavio Dino, atual membro do Supremo Tribunal Federal (STF), foi outro a ter solicitação atendida quando era ministro da Justiça. Na ocasião, a PNDD conseguiu a remoção de um conteúdo nas redes sociais crítico ao então chefe da pasta da Justiça.
Outro ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, também já foi defendido pelo órgão. No entanto, o pedido não veio de Moraes, mas da própria AGU. O motivo foram supostas ofensas ao ministro, nas redes sociais, por conta do controverso caso do Aeroporto de Roma.
Para críticos, “Ministério da Verdade” tornou-se braço de censura do governo
O apelido dado à PNDD tem a ver com o romance distópico 1984, de George Orwell. No livro, o Ministério da Verdade é o órgão responsável por controlar a informação e reescrever a história de acordo com os interesses de um governo totalitário. Apesar do nome, sua principal função é manipular os fatos, censurar discursos e impor uma versão única da realidade, sempre favorável ao regime.
A oposição a Lula associou o nome à atuação da Procuradoria por entender que o órgão estaria assumindo o papel de “guardião oficial da verdade”. Entre as atribuições da PNDD estão notificar sites e plataformas digitais para a remoção de conteúdos considerados desinformativos e abrir processos judiciais contra cidadãos e entidades sob o argumento de proteger a democracia – o que pode configurar uma forma de censura e controle da narrativa pública. Nesse sentido, vários juristas ouvidos pela Gazeta do Povo já se manifestaram apontando ilegalidades no funcionamento da Procuradoria.
“O que chamam de ‘Ministério da Verdade’ não passa de uma engrenagem de censura disfarçada de órgão público”, declara o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado. “Desde sua criação, o único propósito foi proteger o governo e atacar vozes dissonantes. Isso não é defesa da democracia, é uso da máquina pública para blindar o poder e silenciar adversários”, prossegue o senador.
Para o deputado federal Kim Kataguiri (União-SP) – que já apresentou cinco denúncias de desinformação contra membros do governo, todas rejeitadas pela PNDD – a atuação do órgão institucionaliza a perseguição política e o cerceamento de debate público utilizando a estrutura do Executivo.
“Combater a desinformação é uma atribuição do Ministério Público e da Justiça, porque os órgãos do Executivo são comandados por políticos – parciais e ideológicos pela sua própria natureza. É evidente a margem para arbitrariedade e perseguição política”, declara.
Coordenador defende atuação técnica da PNDD
Apesar de até o momento não ter atuado em denúncias contrárias ao governo, a PNDD também rejeitou algumas solicitações vindas do Executivo. Ao todo, foram reprovadas 15 demandas apresentadas por ministérios e secretarias – a maior parte veio da Secretaria de Comunicação Social (Secom) de Lula, que acionou o órgão 28 vezes, sendo atendido em 14 delas.
Para Rogaciano Bezerra Leite Neto, coordenador-geral de defesa da democracia, a atuação da PNDD “sempre primou pela prudência e autocontenção, respeitando a imunidade parlamentar e a retórica política, avaliando a necessidade jurídica de cada uma de suas ações a partir de critérios normativos rígidos”.
Desde sua criação, a Procuradoria indeferiu 44% das denúncias. Segundo o coordenador-geral, isso “mostra a autonomia técnica da Procuradoria e a circunscrição de sua atuação aos temas estritamente jurídicos constantes das normas reguladoras, com a justificativa de interesse da União”.