
Por Vinícius Segatto Jorge da Cunha*
A mineração é, desde os tempos coloniais, parte constitutiva da formação
econômica do Brasil. Do ouro colonial à busca por terras raras e nióbio, esse setor sempre
esteve no centro do desenvolvimento econômico brasileiro, a extração de recursos
minerais impulsiona o crescimento nacional, fomenta empregos, atrai investimentos e
contribui significativamente para a balança comercial. Entretanto, como é comum nos
setores estratégicos e de alto impacto, a atividade minerária também está no centro de
importantes tensões jurídicas, especialmente quando cruzamos a fronteira entre o lícito
e o ilícito penal.
Assim, em casos que envolvem licenciamento ambiental, extração mineral e
investigações complexas, tem-se observado o quanto o setor demanda atenção técnica
apurada. Isso porque a extração de minérios, sendo uma atividade que lida com bens da
União, submete-se a um conjunto denso de normativas: licenças ambientais (LP, LI, LO),
concessões da Agência Nacional de Mineração (ANM), autorizações do IBAMA,
obrigações fiscais, e obrigações sociais.
A ausência, ou suposta irregularidade, em qualquer dessas etapas pode
desencadear imputações criminais severas, como usurpação de bem público (art. 2º da
Lei 8.176/91), extração sem licença (art. 55 da Lei 9.605/98), e, não raro, crimes conexos
como lavagem de dinheiro ou organização criminosa, especialmente quando se trata
de operações com alcance nacional ou internacional.
As chamadas “megaoperações” da Polícia Federal, as quais ganham destaque na
mídia pela apreensão de bens, interdição de garimpos ou bloqueio de empresas, têm
revelado, com frequência, uma imbricação entre o mercado formal e práticas
consideradas irregulares. Assim, nesse cenário, o papel do Direito Penal Econômico vai
além da repressão: ele funciona como uma ferramenta de regulação de condutas, de
indução à conformidade e, principalmente, de mediação entre desenvolvimento e
responsabilidade.
Todavia, não se pode ignorar a complexidade prática da atividade minerária. A
legislação vigente, como demonstrado em diversas análises acadêmicas, carece de
sistematização mais técnica e atualizada. Desse modo, normas penais ambientais
frequentemente apresentam tipos vagos e abertos, o que cria margens de interpretação
que podem comprometer a segurança jurídica. Além disso, a fiscalização estatal nem
sempre acompanha a expansão do setor, operando com estrutura precária, como se
observa no baixo número de fiscais diante das centenas de barragens e títulos minerários
em vigor.
É nesse espaço de ambiguidade normativa e capacidade institucional limitada
que se tornam ainda mais relevantes as práticas de compliance preventivo, pois a
adoção de programas internos de integridade, controles regulatórios e auditorias
especializadas não apenas fortalece a legalidade das atividades, mas, principalmente,reduz riscos penais e contribui para uma cultura jurídica mais previsível, algo
fundamental para empresas que atuam em um mercado globalizado.
Portanto, o desafio é duplo: de um lado, combater condutas que de fato causem
danos significativos ao meio ambiente e ao patrimônio público; de outro, assegurar que
o poder punitivo do Estado não se sobreponha às garantias constitucionais e ao devido
processo legal. Dessa maneira, o Direito Penal não pode ser banalizado como
instrumento de gestão de política pública, tampouco pode ignorar o contexto técnico
das atividades reguladas.
Dessa forma, é cada vez mais necessário um modelo de atuação que concilie o
desenvolvimento econômico com o respeito aos direitos fundamentais, valorizando
soluções dialogadas, técnicas e juridicamente seguras. A mineração, quando bem
regulada e operada com responsabilidade, pode e deve seguir sendo uma das principais
vias para o progresso do país. Mas esse caminho exige rigor normativo, fiscalização
proporcional e, sobretudo, um sistema penal equilibrado — que não puna por punir, mas
oriente, previna e, quando necessário, responsabilize com justiça.
*Advogado, sócio proprietário do escritório Segatto Advocacia, Mestrando em Direito pelo
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa de Brasília/DF, especialista em
Direito Penal Econômico pela PUC-MG, especialista em Direito Penal e Processo Penal
FESMP/MT, especialista em Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa pela FESMP/MT, e
especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera