
Por Kamila Garcia
Outro dia, enquanto esperava o sinal abrir, vi um pai atravessando a rua com o filho. A mão grande segurava a pequena com firmeza, como quem diz, sem palavras: “Eu estou aqui. Você está seguro.”
Fiquei olhando aquela cena e me veio à mente que a amizade verdadeira se parece muito com isso. Não é sobre a pressa de chegar do outro lado, mas sobre a companhia no caminho — inclusive nos momentos de espera.
E foi aí que percebi: nem todo mundo que anda ao nosso lado segura nossa mão quando o sinal está vermelho. Há quem só esteja por perto quando o trânsito flui a favor deles. Há quem fale de lealdade, mas só pratique enquanto houver vantagens. É o velho paradoxo entre cumplicidade e lealdade: são coisas diferentes, mas muita gente insiste em confundir.
Nos dias de hoje, o ego e a vaidade parecem dar as cartas. Já percebeu? Não atendem sua ligação, mas querem ser atendidos; desaparecem, mas exigem ser lembrados; buscam pertencimento, mas condicionam sua presença na sua vida apenas quando precisam. É nessa lógica que brotam as relações tóxicas — um lado se doa, o outro cobra; um constrói, o outro se vitimiza.
Lembrei-me então de uma frase de Jesus que resume bem o antídoto para isso tudo: “Amar ao próximo como a ti mesmo.” Essa frase carrega duas chaves: amor-próprio e amor ao outro. Sem a primeira, a segunda não se sustenta.
Amizade de verdade é como andar de mãos dadas: cada um com sua individualidade, mas com respeito, cuidado e presença. É torcer pelo outro, de perto ou de longe. É se importar de verdade, sem fazer contas.
Não, eu não sou perfeito. Nem quero ser. Mas sigo escolhendo andar de mãos dadas com os leais — e não com os cúmplices de uma falsa reciprocidade.
*Kamila Garcia é bacharel em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, com pós-graduação em Psicanálise. Atualmente é estudante de Psicologia.