Nos últimos anos, a tomada de poder pelo crime organizado vem sendo
debatida desde câmaras de vereadores até o parlamento federal. Existem diversas
investigações que indicam que o dinheiro do crime organizado estaria abastecendo
campanhas e, depois, a estrutura pública seria utilizada para facilitar a atividade
criminosa. Porém, isso pode piorar, e muito, se a proposta de emenda constitucional –
PEC da Blindagem for aprovada.
A PEC visa dificultar a abertura de processos criminais e prisões contra
parlamentares. A proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados com 344 votos
favoráveis e 133 contrários, mas ainda precisa passar pelo Senado.
Conforme as interpretações em vigor da Constituição Federal de 1988, os
deputados estaduais gozam das mesmas imunidades formais previstas para os
parlamentares federais. Dessa forma, a imunidade – ou impunidade – garantida pela
PEC irá impactar não só os 513 deputados federais e os 81 senadores, mas também
os quase mil deputados estaduais existentes nas assembleias legislativas.
A busca do parlamento por imunidade pode agravar ainda mais problemas
crônicos do país, como é o caso da segurança pública. Não faz sentido ver
parlamentares realizarem discursos em defesa da segurança pública e, ao mesmo
tempo, votarem uma PEC que pode beneficiar, e muito, a atividade criminosa. Na
prática, caso aprovada a PEC, o crime organizado poderá enxergar na política um
caminho ainda mais sólido de poder e de segurança para suas lideranças.
Existem aqueles que consideram que a PEC é uma resposta à aplicação
desproporcional da lei. O pior é que quem faz as leis é o próprio parlamento. Ou seja,
ao invés de priorizar a PEC da Blindagem, o parlamento poderia se esforçar em
aprimorar o Código Penal e as legislações que tratam da dosimetria das penas.
O político, pela própria função que ocupa, precisa acreditar no Estado e em
suas instituições. O Executivo, o Judiciário e o Legislativo precisam trabalhar juntos
para resolver os problemas da sociedade, ter capacidade de corrigir falhas e contrapor
eventuais excessos de cada um dos poderes. Mas nunca se justifica criar medidas que
possuem efeitos colaterais maiores que o objetivo expresso nos discursos que
fundamentam as propostas.
Espero que o Senado enterre de vez essa PEC, pois, caso contrário, quem irá
receber mais uma pá de cal será a democracia brasileira, que terá que lidar, nas
próximas eleições, com a crescente influência do crime organizado nos processos
eleitorais e conviver com a impunidade nas casas legislativas.
Caiubi Kuhn
Geólogo, Doutor cotutela em Geociência e Meio Ambiente (UNESP) e Environmental
Sciences (Universidade de Tubingen), Professor na UFMT.