The news is by your side.

Silêncio cúmplice dos decentes – a história de Kamtsa e Bar Kamtsa

0
RTV Outdoor 1260px X 120px

Um dos povos por que tenho grande apreço, apesar de pouco conhecê-los, é o povo judeu. Esses indivíduos carregam uma história repleta de situações desafiadoras enfrentadas com muita resiliência e profundas reflexões. Recentemente ouvi, por um rabino, uma história a respeito da segunda diáspora do povo judeu, a destruição do templo e como o ódio gratuito e a intolerância podem gerar a destruição de um povo. O conto fala sobre duas pessoas: Kamtsa e Bar Kamtsa.

Em resumo, havia um homem que tinha um amigo chamado Kamtsa e um inimigo chamado Bar Kamtsa. Um dia, ele deu uma festa e pediu que seu servo convidasse seu amigo Kamtsa. Porém, ele foi e trouxe, por engano, seu inimigo Bar Kamtsa. O anfitrião, ao avistar Bar Kamtsa, logo questiona o que seu inimigo estava fazendo ali e solicita que este vá embora. Bar Kamtsa então argumenta que, como já estava ali na festa, pede que o deixem ficar. Chega a oferecer pagar suas despesas, o que é negado, e mais adiante oferece até mesmo pagar por toda a festa – e mesmo assim o anfitrião recusa e o expulsa. Por fim, Bar Kamtsa diz para si mesmo: “Como os sábios estavam sentados aqui, e eles não o repreenderam, isso indica que concordam. Eu me vingarei e os difamarei perante as autoridades.” Assim, ele armou uma situação com um imperador romano que causou uma grande discórdia e o conflito entre os romanos e judeus.

Na interpretação desse conto, surge a pergunta: de quem é a culpa pelo conflito ocorrido? Do servo que se equivocou ao confundir nomes? Do anfitrião que se recusa a aceitar a proposta? Do Bar Kamtsa que insiste em buscar vingança via imperador? Do imperador romano? Ou dos sábios ali presentes? Então surge a beleza do conto: precisamos separar culpa de responsabilidade. Se analisarmos somente culpa, encontraremos argumentos tanto para culpar uns quanto outros. Porém, somente quando buscarmos a responsabilidade, vamos mais profundo na busca da solução. Segundo as interpretações dos rabinos, a culpa, nesse episódio, é do silêncio e da passividade dos lúcidos. Cada um tem sua parte na responsabilidade. A causa da destruição é daqueles que se omitiram e não assumiram sua responsabilidade de tratar a questão a contento. A passividade e a indiferença dos demais convidados levaram à destruição – o fato de não quererem fazer nada, de não quererem se indispor com nenhuma das partes. Como diria Martin Luther King, “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. É sob o silêncio cúmplice dos decentes que alguns dos maiores crimes ocorreram.

Hoje, no Brasil, temos desavenças muito piores do que a de Bar Kamtsa e o anfitrião. Vemos um ambiente repleto de ódio gratuito e intolerância. Conflitos entre visões políticas antagônicas, pouca vontade de avançar em soluções e a cultura do cancelamento. Até mesmo boas soluções são questionadas simplesmente por virem de uma pessoa de posição antagônica. A consequência é uma grave deterioração do ambiente de debate, no caso a política, do nosso Estado de direito, da segurança jurídica e, ainda pior, da nossa liberdade. Muitos lutando por segurança abrindo mão da liberdade mal sabem que o efeito é ainda mais nefasto. Como disse Benjamim Franklin, “Qualquer sociedade que renuncie a um pouco da sua liberdade para ter um pouco mais de segurança não merece nem uma, nem outra, e acabará por perder ambas.”

E fica a pergunta: De quem é a culpa? Do eleitor que seleciona incorretamente seus representantes? Do governador? Do presidente? Das nossas autoridades políticas? Das autoridades judiciais? Não. Encontrar culpados não resolverá. Precisamos de pessoas que estejam dispostas a se responsabilizar pelo que lutam. Homens e mulheres que estejam dispostos a iluminar a escuridão por meio de debate de ideias, que não se calem gerando o silêncio cúmplice dos decentes. Pessoas que assumam a responsabilidade e façam a mudança acontecer. Pessoas que lutem pelo livre mercado, pelo Estado de direito e principalmente pela liberdade dos indivíduos. Como diz o economista Milton Friedman, “a pessoa livre não perguntará nem o que o país pode fazer por ela nem o que ela pode fazer pelo país. Indagará, isto sim, ‘o que eu e meus compatriotas podemos fazer para realizar nossas tarefas pessoais, para alcançar nossos vários objetivos e propósitos, e, acima de tudo, para proteger nossa liberdade?’”.

Que sejamos indivíduos resilientes, profundos em reflexão – e mais: que tenhamos uma jornada de eterna vigilância da liberdade. Nunca duvide de que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo. De fato, foi sempre assim que o mundo mudou.

 

Alberto Souza Vieira é Associado do Instituto Líderes do Amanhã

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumiremos que você está ok com isso, mas você pode cancelar se desejar. Aceitarconsulte Mais informação