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O capitalismo e suas batalhas

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As distorções do capitalismo começam pela semântica. A origem da palavra que representa o melhor, mais eficiente e último dos sistemas criados pelos seres humanos vem do sufixo grego “ismós”, usado para designar conceitos de ordem geral, e do latim “capitalis”, que significa “cabeça” ou “o que está acima”, “dominante”, e que tempos depois na Itália tomaria forma como o valor “principal” de uma quantia investida.

Acontece que as palavras são insuficientes para expressar a realidade prática do sistema e, por isso, é necessário um aprofundamento de conceito para que o entendimento seja claro. É grotesco o erro de resumir a complexidade do sistema capitalista estritamente ao capital ou às relações de capital.

De acordo com o consagrado “pai” do capitalismo Adam Smith, em sua grande obra A Riqueza das Nações, há três componentes chave que compõem as bases do capitalismo: capital, terra e trabalho. Os três, de forma conjunta ou separada, atuam sinergicamente para aumentar expressivamente a produtividade das sociedades. O capitalismo, portanto, é um sistema amplo que procura gerar o maior acesso possível a bens e serviços para a sociedade.

O capital é originado para facilitar as trocas livres, atribuindo valor descentralizado às mesmas. As trocas livres representam a facilidade de acesso ao maior volume de bens e serviços possíveis e são grande incentivo à especialização e ao consequente aumento de produtividade. A sobra do capital gerado pode ser poupada ou reinvestida, incentivando a descentralização do mesmo e a alocação em estruturas produtivas que permitem gerar os juros compostos sobre o valor investido. Repito: a possibilidade de acúmulo de capital é gerada necessariamente pelo uso do mesmo para produzir mais riqueza, que, por sua vez, se expande e permite a existência dos juros ou da remuneração sobre a aplicação dele mesmo, se corretamente aplicado. Muitas vezes essa riqueza gerada pode acontecer por outros empreendedores ou trabalhadores que nem sequer conhecem os poupadores que lastrearam esse acesso. Isso acontece por meio do sistema bancário ou mercado financeiro, por exemplo. Hoje em dia, investimentos diretos nos empreendimentos são muito comuns. Os lucros são a representação do retorno do capital. Portanto, se o capital é alocado em empreendimentos de maior risco, a margem de lucro deve ser suficiente para retornar o capital. Os lucros são consequência e, ao mesmo tempo, origem de incentivos à circulação do capital e sua distribuição prática.

A terra é de onde provém a matéria-prima para a satisfação de necessidades diversas, desde os alimentos colhidos até o processamento da madeira para construção de estruturas e o minério para fabricações simples ou complexas como o provimento da tecnologia, por exemplo. O capitalismo incentiva o uso produtivo das terras, que, assim como o capital, também podem ser geridas ou “emprestadas” a empreendedores para produzir mais riqueza. A terra no capitalismo também pode ser vendida, evitando acúmulo improdutivo, e transformada em capital, que pode ser mais facilmente alocado na produção de mais riqueza. O retorno sobre a posse da terra também provém dos lucros gerados pela riqueza produzida ou pelo aluguel, e seu uso também remunera o trabalho feito no local.

O trabalho é a ferramenta natural do ser humano para produzir riqueza. Ele pode gerar riqueza por si só ou usando capital ou terra disponível. O retorno sobre o trabalho é o salário, podendo ser do empregador ou do empregado. A partir do momento em que o trabalho gerou patrimônio de valor, transformado em uma empresa, por exemplo, e também pode ser comercializada, ele passa a ter um papel de gerar lucros suficientes para retornar a proporção do valor do patrimônio. Há um incentivo enorme no capitalismo para que os lucros sejam reinvestidos no próprio negócio para aumentar esse valor do patrimônio. O processo prático de reinvestimento novamente acontece em função de o detentor do capital abrir mão de seu uso para grandes luxos e fazer essa riqueza circular nas estruturas de trabalho assalariado, de forma que seu patrimônio cresça de maneira abstrata ou não líquida, mas que remunere o trabalho de maneira concreta ou líquida, por meio dos salários pagos no tempo previsto. Uma troca no mínimo justa para quem é “investido” ou contratado.

Toda essa arquitetura sistêmica poderia muito bem ser chamada de producionismo ou mesmo produtivismo, assim englobando a real consequência do sistema e seu real propósito.

O capitalismo é um sistema único, que jamais será substituído, pois sua essência expressa a natureza humana. Ele é um sistema de produção em prol do coletivo, dada a livre escolha do consumidor, porém com recompensas individuais para o empreendedor, trabalhador ou criador daquela riqueza. Ele conecta dois aspectos fundamentais da natureza humana que são o individualismo e a generosidade – alguns em menor ou maior grau dependendo de cada pessoa, mas todos inatos. A remuneração via capital acontece normalmente após a entrega ao consumidor, ou seja, primeiro vem a sua satisfação e depois, a recompensa individual.

O socialismo, que provém de uma semântica muito mais generosa, não conseguiu o mesmo sucesso (para dizer o mínimo), pois não conectou características naturais dos seres humanos. Na prática, não conheço um socialista que pratica o que prega, ou seja, divide suas riquezas até chegar à média geral dos salários, por exemplo. Se não há um ser que pratica a ideologia, não há aplicação possível, afinal as consequências no mundo real se originam da ação humana e não dos discursos, teorias ou páginas de livros, que aceitam qualquer coisa. A própria racionalidade que permite a idealização de um sistema perfeito está milhas e milhas distante da ação humana prática, exatamente porque nesse meio do caminho há algo chamado natureza humana e ela não é pura, inocente e colorida como a racionalidade. Ela é imperfeita, porém virtuosa, na medida em que nos conhecemos melhor e sabemos usar o que chamamos de “defeitos” (e é um erro chamar assim) para turbinar as “qualidades”. No capitalismo, seria a recompensa individual como incentivo para se gerarem mais e mais bens coletivos.

As distorções do capitalismo acontecem normalmente na visão daqueles que nada precisaram produzir para ter suas necessidades satisfeitas e que se colocam acima ou mesmo à parte dos sistemas. Colocam-se meramente como espectadores da vida em uma plateia distante do mundo real: julgam todos, menos eles mesmos. Criticam as imperfeições do presente sem entender as origens do passado. São os ditos “senhoritos satisfechos” (crédito ao brilhante texto de João Nogueira, o Rasta) que, por não agirem ou praticarem, obviamente se permitem inconscientemente aceitar qualquer teoria, principalmente aquelas que ajudam a justificar sua própria estagnação: “Sou vítima de um sistema decadente”.

Eles esquecem que esse sistema, nos últimos 250 anos, tirou 85% da população mundial da fome e da miséria, aumentou consideravelmente a expectativa de vida, reduziu drasticamente a mortalidade infantil, o número de guerras e a violência; expandiu incrivelmente o acesso das pessoas à saúde, cultura, educação, lazer, turismo e outras benesses impensáveis pelas maiores elites de um passado não muito distante – e sim, também contribuiu para a abolição da escravatura e ascensão de liberdades individuais e de minorias, inclusive, avanços que os anticapitalistas ainda não entenderam. Se liberdade econômica e propriedade privada são fundamentais para o funcionamento do sistema, por que seria diferente? De novo, volto à origem: é um sistema focado na produtividade. Esta vem necessariamente acompanhada da ascensão de autonomia, liberdade, responsabilidade, respeito, confiança e compartilhamento. Esses são pilares para trabalhos produtivos, empresas produtivas e, consequentemente, sistemas produtivos.

E quando o mundo estiver sofrendo impactos como questões climáticas, pandemias ou outros grandes desafios, adivinhe quem vai salvá-lo? São esses mesmos empreendedores submetidos à mesma lógica de capital, terra, trabalho, visão do coletivo com recompensas individuais descrita por Adam Smith há 250 anos. Obviamente, se todos esses são temas de interesse coletivo, vai haver um empreendedor esperto para provê-los, como sempre aconteceu. Capitalismo verde, consciente e outros nomes que acompanham nossa palavra chave são meramente redundâncias. Se o verde e a consciência coletiva são necessidades humanas, já estão contempladas na origem e essência desse grande feito. Na mesma lógica ambiental, antes precisávamos resolver o problema da fome; hoje é da qualidade do alimento. Apenas evoluções naturais.

É bom deixar claro (para que isso não pareça uma defesa cega), que há imperfeições na ação humana, mesmo diante de sistemas “ideais” – o termo não é bom pois ideal é distante de real e o que prevalece sempre é o real. As imperfeições são inerentes à própria natureza. Nunca chegaremos num sistema perfeito. Há muita ganância do homem em torno do capital e isso já causou enormes desastres artificiais também em comunidades, porém, a vida moral e a redução da ganância estão muito mais próximas quando as pessoas estão submetidas a sistemas produtivos, já que educação e o próprio mecanismo de compartilhamento de informações relevantes e voluntariosas também são fatores econômicos.

Incrivelmente, até mesmo muitos dos novos empreendedores de hoje esqueceram a própria história ou nem sequer a aprenderam. Contestam o capitalismo, falam mal da liberdade econômica, mas se escondem na hora de emitir uma nota fiscal. A hipocrisia acabou se tornando um mal gigantesco, pois a essência da mesma permite que, como falamos acima, o “julgador” não enxergue a própria ação. Uma sociedade composta por pessoas assim jamais prosperará. Enquanto não nos conhecermos de fato, mais distantes ficaremos dos caminhos das virtudes. Como disse Mark Twain (mas pode ser que não), “é mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas”.

Que saibamos ser gratos ao que nos trouxe até aqui e que inclusive nos permitiu a nobreza e a liberdade de desconhecermos do sistema que nos proveu o que de fato nos interessa, em abundância. Que sejamos livres para crescermos e prosperarmos até onde nossa natureza nos permitir, sem carregarmos alguma culpa.

 

Dino Bastos Sávio é CEO do Grupo Partners, vice-presidente da Sucesu Minas e Diretor da ACMinas

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