O segredo de Don Juan: O lago que não congela mesmo a 50 graus abaixo de zero

Na Antártida, entre suas neves perpétuas, escondem-se coisas únicas em nosso planeta, como cadeias de montanhas soterradas por geleiras e buracos no gelo que desaparecem assim que aparecem. Tudo congela, ou melhor: quase tudo.

Existe um lago um tanto especial. Com apenas 10 centímetros de profundidade e 3.000 metros cúbicos, o Lago Don Juan resiste a temperaturas de até 50 graus abaixo de zero, às vezes até menos. O normal nessas condições seria esperar que um lago tão raso congelasse em questão de minutos, mas a verdade é que suas águas permanecem líquidas quase o tempo todo. Qual é o seu segredo?

Os vales secos de McMurdo

Um nome tão sugestivo não é dado levianamente. Os Vales Secos de McMurdo são de fato um dos lugares mais secos da Terra. Não há neve ou gelo, todo o chão é de cascalho. Os ventos intensos evaporam todos os vestígios de água em seu caminho, tornando esses vales um verdadeiro deserto.

Ao longo de seus 4.800 quilômetros quadrados, sua superfície é pontilhada de lagos, muitos dos quais demoram mais para congelar do que o esperado, mas Don Juan leva isso ao extremo. Os registros indicam que suas águas permaneceram líquidas mesmo em temperaturas de 51 graus abaixo de zero. Mas isso é possível? Sempre ouvimos que a água evapora a 100 graus e congela a 0, e toda medição pode estar associada a algum erro, mas 50 graus de diferença não parece algo que possamos ignorar.

A primeira vez que um ser humano viu o Lago Don Juan foi em 1961, especificamente George Meyer, quando o lago ainda tinha 30 centímetros de profundidade. No entanto, as primeiras observações científicas foram de um helicóptero pilotado por Don Roe e John Hickey. Quando foi descoberto, a temperatura estava abaixo de 30 graus centígrados e o lago ainda estava líquido, o que chamou a atenção dos cientistas, que decidiram analisá-lo.

Os cientistas suspeitavam que a chave para seu ponto de fusão muito baixo pudesse ser devido à sua salinidade, mas não imaginavam que esse corpo de água seria descoberto como o mais salgado do nosso planeta.

Para se ter uma ideia, o oceano tem uma salinidade média de 3,5%. O Mar Morto, conhecido por sua extrema salinidade, é de 33,7%. A diferença é notável, mas se medirmos a salinidade do Lago Don Juan, descobriremos que ultrapassa os 40%.

Não é o sal que você pensa

A quantidade de sal neste lago é inigualável, mas não estamos falando de sal de mesa composto de sódio e cloro (NaCl). Na química, os sais são substâncias compostas compostas por íons positivos e negativos, átomos que carecem ou possuem um elétron extra e que, para encontrar alguma estabilidade, “decidem” compartilhar esses elétrons entre si por meio de uma ligação iônica. No caso do Lago Don Juan, o sal é formado por íons de cálcio e cloreto dissolvidos em suas águas (CaCl2).

O truque é, simplificando as coisas, que esses íons dissolvidos na água têm cargas elétricas que, como os ímãs, repelem e atraem as moléculas de água, dificultando a sua fixação em um lugar formando uma estrutura sólida, como o gelo. Quanto mais íons compõem uma molécula de sal, mais intenso será esse efeito e, curiosamente, o sal do lago Don Juan se separa em três íons, dois de cloro com carga negativa e um de cálcio com carga positiva, um a mais do que no caso do sal de mesa que tempera os oceanos.

De fato, sua profundidade mudou nos últimos 30 anos, passando de 30 centímetros para apenas 10 centímetros. Essa evaporação apenas remove a água, deixando o sal no solo, que se cristalizou ao redor do lago.

Vida extrema

O Lago Don Juan nos fala de coisas incríveis que acontecem em nosso planeta e pode nos dar pistas sobre o que acontece fora dele, em outros planetas. Os astrobiólogos estão especialmente interessados ​​em encontrar vida fixando-a em um ecossistema extremamente salino. Infelizmente, e embora tenha sido encontrada vida em seu entorno, ainda não há evidências conclusivas sobre seu interior, mas os especialistas apostam em uma série de processos detectados no lago, geralmente relacionados a reações biológicas.

Sem dúvida, o Lago Don Juan é um dos lugares mais fascinantes do planeta, desafiando nossa intuição e nos mostrando como a ciência é muito mais complexa e maravilhosa do que podemos imaginar.