O Ministério Público Federal (MPF) apresentou, nesta terça-feira (2), recurso (agravo interno) contra decisão liminar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que suspendeu os efeitos jurídicos da Resolução no 18/2016, da Câmara dos Deputados, quanto à inelegibilidade e à proibição de ocupar cargos públicos federais impostas ao ex-deputado Eduardo Cunha. O MPF também impetrou mandado de segurança para a imediata suspensão dos efeitos da decisão.
Para o órgão ministerial, as nulidades vislumbradas pelo desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, relator do caso, quanto ao processo de cassação do ex-parlamentar não ocorreram, bem como não configuram violações ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, não possuindo assim plausibilidade jurídica.
Por outro lado, ao arrepio da falta de intimação obrigatória do Ministério Público Federal, foram apontadas nulidades na ação apresentada pela defesa do ex-deputado. O mandado de segurança será julgado pela Corte Especial do TRF1 enquanto o recurso será julgado pela 5ª Turma do mesmo tribunal.
Risco de ofensa
O recurso do MPF discute o alegado risco de ofensa aos direitos políticos de Eduardo Cunha diante do seu impedimento da participação no pleito deste ano, que fundamentou a decisão liminar do TRF1. Para a procuradora regional da República Michele Rangel de B. Vollstedt Bastos, é um risco artificial, “o ora agravado aguardou ardilosamente a proximidade do pleito eleitoral de 2022 para só então ajuizar a ação originária com o fito de afastar as penalidades que lhes foram impostas pela Resolução 18/2016”.
Por outro lado, ela defende ser necessário ponderar os valores presentes no caso: de um lado os supostos direitos políticos de uma pessoa contra quem foi regularmente aplicada a penalidade de perda de mandato de parlamentar e, de outro, o interesse público e social.
Ao admitir que o ex-deputado Eduardo Cunha possa concorrer às eleições deste ano, apesar de ele ter sido submetido a um “retubante e regular processo político-disciplinar de perda de mandato parlamentar”, a decisão do TRF1 “põe em xeque a segurança jurídica, a confiabilidade nas instituições, a paz social e a própria democracia, dentre outros valores caros ao Estado Democrático de Direito”, acrescenta a procuradora.
Ausência de intimação do MPF
O Ministério Público, por expresso comando constitucional, atua como guardião da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. No processo em questão, o MPF é parte legítima para a interposição de recurso, no entanto, como assevera a procuradora regional, o órgão não foi intimado a manifestar-se, apesar de tratar-se de indiscutível hipótese de atuação do Ministério Público, o que, conforme defendido, trata-se de nulidade insanável.
Existência de coisa julgada
Outra nulidade insanável no processo apontada pelo MPF é sua correlação com o Mandado de Segurança no 34.327/DF, de relatoria do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que também discutia supostas nulidades havidas no processo de cassação do mandato do ex-parlamentar pela Câmara dos Deputados.
O respectivo mandado de segurança foi julgado em setembro de 2016. De acordo com o voto do ministro, o STF somente deve interferir em procedimentos legislativos para assegurar o cumprimento da Constituição, proteger direitos fundamentais e resguardar os pressupostos de funcionamento da democracia e das instituições republicanas, hipóteses que não estavam presentes no caso. Ainda, o entendimento da corte foi de que não houve violação à ampla defesa ou ao contraditório, como é novamente alegado, junto ao TRF1, pela defesa de Eduardo Cunha.
O argumento da identidade entre as duas demandas é também defendido pela Advocacia-Geral da União (AGU) e leva à imediata extinção do feito sem apreciação do mérito nos termos do art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, o MPF defende a presença de “coisa julgada material”, conforme art. 508 do CPC, segundo o qual “transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”.
Por outro lado, restou fartamente documentado que o ex-deputado teve plenas possibilidades de exercer sua defesa no processo de cassação de mandato, assim como o fez, de modo que nenhum prejuízo adveio das supostas nulidades apontadas pela defesa.
Atos interna corporis
De acordo com o MPF, a suspensão da decisão tomada pela Câmara dos Deputados, configura grave ofensa à separação de poderes, na medida em que se permitiu incursão indevida do Judiciário em atos interna corporis da Casa Legislativa.
Sobre as supostas irregularidades na Resolução da Câmara dos Deputados no 18/2016 e no procedimento político-disciplinar – estas inclusive objeto de duplo controle interno, pela deliberação do parecer final do relator e por meio de recurso à Comissão de Constituição e Justiça e da Cidadania – , conforme aduz o MPF, todas suscitam questões de interpretação e de aplicação de normas internas, estando o controle judicial restrito tão somente a aspectos de legalidade e que jamais impliquem em análise da interpretação e da aplicação de normas regimentais.
Considera ainda que trata-se na verdade de tentativa da defesa de discutir o mérito do processo de perda de mandato parlamentar e não de controle de meros aspectos formais do respectivo procedimento. Nesse aspecto, destaca que, se mantida, a decisão poderá acarretar grave atentado ao interesse público e social.
Argumentos da defesa
Sobre as irregularidades levantadas pela defesa do ex-parlamentar presentes no processo de cassação do mandato, em especial quanto à alegação da obtenção de informação sobre contas bancárias no exterior, supostamente por meio ilícitos, o recurso esclarece que o caso em questão não representa violação ao sigilo bancário, uma vez que tal informação, além de já ter sido amplamente divulgada pela imprensa, não teve a finalidade de exposição ao público, mas sim de instruir processo administrativo disciplinar (Representação 1/2015).