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“Ódio” é uma coisa, indignação é outra

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Não devemos confundir os vícios do ódio, da raiva, da cólera, da fúria, do rancor e da ira com a indignação, que, quando envolve um saudável desejo de justiça, é uma virtude. Indignar-se com o estado de coisas vigente no Brasil atualmente, sem nenhum exagero, é um ato virtuoso e – vou até mais longe – patriótico.

A raiva é um sentimento – que difere entre os indivíduos – de protesto, insegurança, timidez ou frustração, que surge quando alguém se sente ameaçado. Suas causas mais comuns são a inveja, o ego, a necessidade de mostrar-se superior aos outros, os estímulos à competição predatória entre colegas de trabalho, a falta de carinho por parte da família (ou a ausência desta) e o caos no trânsito. Manifesta-se pela violência (verbal ou física), ódio e agressividade. É uma enfermidade que carcome de dentro para fora e que gera problemas no sistema nervoso central, disfunção glandular e desequilíbrio psicológico. Sua cura é o perdão. Já a ira é como uma raiva mais intensa, um caleidoscópio de emoções fortes, uma vontade de agressão, por causas acumuladas ou traumas, em que a emotividade subjuga a racionalidade e o juízo normal, podendo levar a atitudes que deixarão arrependimento posterior. Quando forte, pode converter-se em ódio, que leva, pelo uso da razão, ao desejo de vingança e ao prazer com o seu êxito. A ira – emocional – é um sentimento breve, mas o ódio – racional – pode durar uma vida inteira. Contudo, um acesso de ira pode levar a erros mais graves do que os provocados pelo ódio, tamanho seu poder de estimular arrebatamentos maléficos. Por isso, é considerada um dos sete pecados capitais.

E a indignação? É um sentimento que brota naturalmente, uma espécie de revolta interior diante de algo que parece inaceitável e que identificamos como maléfico. Pode ser má, egoísta e farisaica, quando visa apenas a interesses próprios lesados, mas é salutar quando contempla a dignidade de todas as pessoas na sociedade.

A palavra “indignação” refere-se à dignidade negada ou agredida, com a conseqüente revolta. Mas a justa indignação pressupõe capacidade, ou seja, percepção do que é digno para si e para as outras pessoas e requer a cristalização na consciência da dignidade a que cada pessoa humana tem direito. Quem não tem essa percepção não é capaz de indignar-se e, assim, diante de coisas graves, mantém-se passivo. Não tem senso de dignidade. Depende, também, da livre informação, pois é esta que mostra como a dignidade está sendo tratada. As restrições à liberdade de informar e a desinformação ideológica levam ou à passividade ou à indignação injusta.

No Brasil de hoje, existe um conjunto enorme de fatos que desrespeitam radicalmente a dignidade humana e é importante que a indignação que hoje sente o cidadão brasileiro desencadeie uma ação ética que nos leve a arguir o que podemos fazer para que essa situação tenha um cabo. Não devemos nos conformar com a indignidade apenas quando os fatos nos atingem mais de perto. Aceitar que tudo fique como está é ofender a própria nação. Ademais, manifestar indignação é também uma forma de crer: o próprio Jesus derrubou as mesas do templo e pegou um chicote para manifestar a sua indignação diante da profanação da casa de oração, que se tinha transformado em uma “espelunca de ladrões” (Lc 19,46). Permanecer passivo e resignado diante do mal e da injustiça não é misericórdia nem mansidão, mas covardia, ou inépcia, ou cegueira ideológica.

Tudo o que escrevi anteriormente vem a propósito da crise institucional que o Brasil atravessa, provocada por um conjunto de atitudes que beiram o inacreditável, como o ativismo judiciário, a covardia e passividade do Congresso, em que vários de seus integrantes carregam nas costas bateladas de processos judiciais por motivos nada nobres e a parcialidade – pior, a cumplicidade – da maior parte da mídia inteiramente subjugada, seja pela crise de abstinência de recursos oficiais, seja pela ideologia revolucionária retrógrada.

O povo brasileiro está cansado, está exausto, de ver quem tem o dever de zelar pela Constituição fazer dela gato e sapato; de congressistas que só pensam, com raras exceções, em obter vantagens próprias; de tanta corrupção; de tribunais que não condenam; de insegurança generalizada – jurídica e física; de assistir, impotente, ao vergonhoso espetáculo em que bandidos de todos os tipos são postos em liberdade por meio de filigranas jurídicas grosseiras; de estarrecer-se com o absurdo de que um deles, condenado em três instâncias, vai concorrer à presidência do país; de presenciar a polícia ser proibida de combater o tráfico, de uma série de prisões e cerceamentos da liberdade de expressão – ou seja, censura – a quem ousar divergir dos “donos da verdade”; das distorções descaradas da mídia para desinformar. Estamos fartos disso tudo – e de muito mais.

O povo, contrariamente à pecha (repetida como um chavão), de “discurso de ódio”, simplesmente não aguenta mais ser bombardeado diariamente por mentiras, calúnias e falta de respeito à dignidade de todos os honestos. Não! Não é “discurso de ódio” coisa nenhuma, é, pura e simplesmente, indignação contra a injustiça que campeia nestes dias nublados em nosso amado país.

A nossa democracia está sendo dinamitada por quem, maliciosamente, vive eructando a pomposa expressão “Estado democrático de direito”, ao mesmo tempo em que dá uma banana grosseira à democracia que, não custa lembrar, só pode ser assim chamada quando o poder emana de fato do povo e é exercido em seu nome. Para evitar uma ruptura indesejável e de consequências imprevisíveis, é preciso que os três poderes se limitem a cumprir as obrigações pelas quais os remuneramos com nossos impostos e que a mídia limite-se ao jornalismo informativo, sem mentiras e partidarismos.

 

Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor.

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