Da Redação
Os pesquisadores da RedePrevir MCTI, subrede da RedeVírus MCTI dedicada à vigilância epidemiológica de patógenos em animais silvestres com potencial de emergência para seres humanos, estão em campo para coletar amostras de aves migratórias. O foco é a busca ativa de potenciais aves provenientes, especialmente, da América do Norte que estejam contaminadas com o vírus H5N1, que causa a gripe ou influenza aviária de alta patogenicidade. A ação se estenderá até março de 2023, quando as aves devem regressar ao hemisfério norte.
A iniciativa faz parte das atividades da Rede formada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) em fevereiro de 2020 para o monitoramento de viroses emergentes e reemergentes com potencial zoonótico, ou seja, que podem ser transmitidas para as pessoas a partir dos animais.
“O monitoramento ambiental, por meio da Rede Previr MCTI, é mais um exemplo da estratégia bem sucedida implementada após discussão com a comunidade científica nacional. A Rede Previr está atuando no monitoramento de animais silvestres para detecção de coronavírus, de monkeypox e também da influenza aviária”, declarou o secretário de Pesquisa e Formação Científica do MCTI, Marcelo Morales, sobre o legado da RedeVírus MCTI para o País. “É uma atuação que chamamos de ‘programa escudo’ para mitigar os impactos das viroses emergentes e reemergentes”, complementou Morales.
Os pesquisadores intensificaram a busca ativa do vírus em aves migratórias, como patos, marrecos, gansos, cisnes, gaivotas e maçaricos, a partir de setembro deste ano. As aves saem da América do Norte em direção ao Hemisfério Sul em busca de condições climáticas amenas para reprodução ou alimentação. Essas espécies são consideradas os principais reservatórios da influenza aviária.
“Essas aves pertencem às ordens Anseriformes e Caradriiformes, principais reservatórios naturais de influenza. As taxas de infecção são mais elevadas nesses grupos de aves. Elas se infectam mais e transmitem mais [o vírus]”, explica a professora da Universidade de São Paulo (USP), Helena Lage.
Segundo Lage, o monitoramento realizado com a coleta de amostras de aves silvestres sadias tem o objetivo de realizar o diagnóstico precoce da introdução do vírus no território brasileiro. A busca ativa nesse grupo de aves funciona como um alerta antecipado, pois se estiverem contaminadas podem não apresentar sintomas por até 14 dias, tempo suficiente para efetuar uma ‘viagem’ migratória. “Podemos antecipar a identificação do vírus antes que ele chegue a outros grupos de aves”, complementa.
As expedições para a busca ativa têm sido realizadas nos estados de Mato Grosso, Pernambuco, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que estão nas rotas migratórias do Atlântico, do Pacífico e do Mississipi, que abrange a América Central. Os pesquisadores coletam excretas (fezes), suabes, sangue, dados biométricos das aves, dados sobre o bioma e localização. O tipo de coleta varia de acordo com a condição da localidade e o tipo de ave. As amostras são congeladas logo após a coleta e enviadas aos laboratórios da Rede Previr, onde são realizados testes específicos para a identificação dos vírus da influenza aviária ou dos anticorpos contra este vírus. De acordo com Lage, até o momento não houve casos positivos para o vírus H5N1.
O vírus é capaz de causar uma doença grave nas aves domésticas, como frangos, patos, perus e galinhas, e pode ameaçar a produção avícola brasileira. Segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil foi o terceiro maior produtor e o maior exportador de carne de frango do mundo em 2022. Por isso, a iniciativa da Rede Previr MCTI é complementar às ações de reforço de biossegurança já anunciadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
“As aves silvestres não respeitam as fronteiras e a identificação do vírus precocemente contribuirá com ações para proteger a avicultura brasileira de uma forma mais eficaz”, avalia Lage.
Entenda
De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o surto de gripe aviária afetou mais de 57 milhões de aves em 47 estados desde a sua introdução em novembro de 2021. Na América Latina, milhares de pelicanos infectados com o vírus foram encontrados mortos no Peru e na Venezuela. De acordo com o boletim global do Sistema de Prevenção de Emergências para Saúde Animal da Agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o número de registros no mundo é alto com 1.181 surtos envolvendo vírus (H5N1 HPAI), envolvendo Américas, África, Europa e Ásia nos últimos dois meses.
As aves silvestres migratórias fazem rotas entre os diferentes países do continente e também entre os continentes. O vírus H5N1, por exemplo, foi introduzido em novembro de 2021 no Canadá e nos EUA por aves migratórias provenientes da Europa. Após esta introdução, o vírus foi disseminado pela América do Norte e já encontrado em mais de 4,3 mil aves silvestres nos Estados Unidos, segundo dados do CDC, e em mais de cem espécies diferentes.
Em outubro deste ano, o vírus começou a ser identificado em aves silvestres e domésticas dos países da América do sul, incluindo países que fazem fronteira com o Brasil como Colômbia, Peru e Venezuela, mas também no Equador e Chile. Esta é a primeira vez que o vírus H5N1 de alta patogenicidade é identificado na América do Sul. Uma suspeita é que o vírus tenha sido transmitido por uma ave migratória do hemisfério norte, como a gaivota Franklin, por exemplo, aos pelicanos mortos no Peru.
Segundo Lage, diferente do que é normalmente observado, o hospedeiro está sendo afetado pelo vírus e causando letalidade. Isso é desencadeado pelas mutações sofridas no vírus, observadas a partir de 2015. “O H5N1 mudou completamente ao longo dos últimos anos com um aumento da transmissibilidade e da patogenicidade em aves silvestres”, afirma Lage.
Além do monitoramento do vírus em animais, os pesquisadores da Rede Previr MCTI estão contribuindo com o MAPA no desenvolvimento de materiais educativos direcionados aos profissionais atuantes no campo sobre cuidados de biossegurança. O objetivo é sistematizar a identificação de aves doentes, e reforçar os cuidados a serem tomados para evitar a introdução do vírus em granjas avícolas, bem como tomar as medidas necessárias no caso de uma suspeita e os procedimentos para informar o serviço veterinário oficial para investigação utilizando a plataforma SISBRAVET.