Da Redação
O deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), que será o relator da CPI do MST, instalada na Câmara nesta quarta-feira (17), insinuou leniência do governo Lula com as invasões de terras ocorridas no chamado Abril Vermelho. Em entrevista ao jornal O Globo, ele disse, porém, estar “de coração aberto” para ouvir a base governista durante a comissão.
Questionado sobre a relação da gestão petista com o setor do agronegócio, Salles afirmou:
“O Lula pregou que iria pacificar o Brasil e agora vemos tudo, menos isso. A forma depreciativa que ele trata o agro, o apoio a invasões, a redução de financiamento do BNDES, dá o recado de que quer se vingar do setor pelo apoio dado ao ex-presidente Bolsonaro.”
Salles pondera que “parte do MST tem experiências positivas e reivindicações legítimas”. Na avaliação do deputado, há casos de assentamentos que foram feitos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que tiveram êxito. A comissão terá o intuito de “separar o joio do trigo” — “pessoas com legítimo interesse em conseguir terras para produzir” e “criminosos usando o movimento para obter vantagem econômica indevida”.
A CPI do MST foi instalada na quarta-feira (17). Os cargos mais importantes foram ocupados pela oposição.
Leia na íntegra a entrevista de Ricardo Salles ao jornal O Globo
O senhor já defendeu tratar o MST com tolerância zero e classificou o movimento como um grupo criminoso. Considera-se imparcial para relatar a CPI?
Tendo a trabalhar de forma imparcial. Já combinei com os deputados do governo que vamos ter espaço para que os líderes apresentem suas visões e versões sobre os fatos (as invasões ocorridas no mês passado). Também combinamos que vamos trazer membros do governo para opinar sobre as diligências. Então, vai estar bem equilibrado.
Desde a campanha de 2018, o senhor sempre teceu críticas ao MST. Como avalia o movimento hoje?
O MST e os movimentos que lutam por terra ou moradia têm de tudo, como qualquer grupo: gente boa, gente ruim, gente com legítimo interesse em conseguir terras para poder produzir e gente que está usando o movimento para fazer luta política, para obter vantagem econômica indevida. Nosso papel é separar o joio do trigo. Parte do MST tem experiências positivas e reivindicações legítimas.
Quais?
A reivindicação política sobre a reforma agrária. Outra questão são os assentamentos feitos pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) que deram certo, que conseguiram produzir, gerar melhora de qualidade de vida aos assentados.
E qual é sua opinião pessoal sobre a reforma agrária?
Em pleno século XXI, acho que não é uma questão só de acesso à terra. Há pessoas que têm vocação para a produção rural e merecem ter um lote com a devida regularização fundiária para que possam produzir. Mas não é verdade que a solução dos problemas no campo seja através da reforma agrária. Grande parte da produção exige tecnologia, escala. A reforma não é essa bala de prata que vai acabar com o problema, mas pode ser que em alguns casos possa ser feito. E há um problema: o Brasil praticamente não tem mais propriedades improdutivas.
No dia em que a CPI foi instalada, o senhor riu quando a deputada Sâmia Bomfim, do PSOL, afirmou que o senhor não deveria estar no colegiado por responder a processos por crime ambiental. Ela se referiu a investigações por suposto favorecimento a madeireiros…
Não existe nada concreto sobre mim. Sâmia é que escondeu do plenário que emprega a esposa do José Rainha (líder do MST), que está preso por extorquir pessoas. É ela que tem conflitos de interesse em participar de uma CPI como essa.
Qual seria a forma ideal de frear as invasões?
Primeiro, resolver o problema de regularização fundiária e, segundo, apontar os criminosos que estão por trás disso e usando gente humilde como massa de manobra.
Onde a CPI pode chegar?
Mostraremos quem coordena, quem paga, quem se beneficia (das invasões) e quem se omite.
Com frequência, os parlamentares acusam o governo de leniência com o MST. Acredita que o governo tenha responsabilidade sobre as invasões do Abril Vermelho?
O governo Lula vive uma situação de incongruência. De um lado, ministros têm condenado as invasões criminosas. Do outro lado, Lula levou (João Pedro) Stédile (líder do MST) para a China e enalteceu as ações do movimento. Também nomeou ex-integrantes para a superintendência do Incra num claro desvio de finalidade. Esses sinais contraditórios deixam uma dúvida de quanto de responsabilidade tem sobre as invasões, o que ficará claro na CPI.
O senhor não usará a relatoria para alcançar objetivos políticos?
Não, apesar de ter repercussão neste campo.
Mesmo tendo em vista a prefeitura de São Paulo no ano que vem?
Uma coisa não tem nada a ver com outra. A questão do agro é a prioridade agora.
No último final de semana, ministros estiveram na 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária, em SP, o que não foi bem visto por parte da bancada ruralista.
É um equívoco que autoridades compareçam a um evento que tem, de certa forma, pessoas envolvidas em crime. Agora, essa exposição tinha algumas coisas positivas como a produção das cooperativas e exposição de produtos que eles mesmos fazem.
O senhor esteve com o ex-presidente na Agrishow e é um político próximo do agronegócio. Como avalia a relação de Lula com o setor?
O Lula pregou que iria pacificar o Brasil e agora vemos tudo, menos isso. A forma depreciativa que ele trata o agro, o apoio a invasões, a redução de financiamento do BNDES, dá o recado de que quer se vingar do setor pelo apoio dado ao ex-presidente Bolsonaro.
Mas Lula pode fazer as pazes com o agronegócio?
Sim, mas quem tem que fazer gesto de respeito e transparência é o governo.