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Quem a legislação do trabalho realmente protege?

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Partidários do ex-presidente Lula (PT) defendem que a reforma trabalhista de 2017 seja revogada. Um dos pontos da medida foi flexibilizar normas de proteção ao emprego e tornar mais barata a contratação formal de empregados, haja vista que o peso da legislação trabalhista é tamanho que o empregado recebe pouco mais da metade do que a empresa paga pelo seu trabalho! O conhecido “pague 2 e leve 1”.

Porém, os efeitos de leis trabalhistas rígidas demais não se limitam aos efeitos diretos sobre o trabalhador. Elas também possuem efeitos negativos sobre a economia como um todo, pois modificam as decisões tomadas pelas empresas. Em particular, existe toda uma discussão de como leis de proteção ao emprego e custos de demissão afetam a economia. Entre os custos dessa natureza no Brasil, podemos elencar o procedimento de demissão sem justa causa e as multas relacionadas. Há também toda uma insegurança jurídica, com decisões da justiça trabalhista que contrariam a legislação ou jurisprudências anteriormente firmadas.

Afinal, quem as leis de proteção ao emprego realmente protegem?

O que diz a literatura econômica

Em estudo publicado no Journal of Finance, o mais importante periódico de finanças do mundo, Matthew Serfling examina como leis de proteção ao emprego, que geram custos de demissão, afetam decisões de estrutura de capital das firmas nos EUA (Serfling 2016).

A estrutura de capital da empresa vem da decisão de como a empresa deseja financiar seus investimentos: se com dívida ou se com capital próprio dos sócios. Os resultados indicam que custos de demissão mais altos levam firmas a diminuírem seus níveis de endividamento. Mais do que isso, Serfling mostra que essas leis fazem com que o risco operacional da firma suba, aumentando a volatilidade dos lucros, ou seja, tornando lucros futuros mais imprevisíveis e consequentemente piorando a percepção de risco do negócio.

Como se torna mais difícil ajustar o nível de mão de obra para o mais adequado, salários passam a se comportar como pagamento de juros de uma dívida, pois são devidos independentemente de quão bem a firma está economicamente. Devido a esse aumento de passivo que se assemelha a dívida, a firma diminui seu nível de dívida financeira, o que na prática diminui sua capitalização para realização de investimentos visando a seu crescimento.

Outro estudo de 2015, publicado no Review of Financial Studies, encontrou resultados similares usando dados de 21 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Simintzi, Vig, and Volpin 2015). Com isso, as firmas investem menos ao contrair menos dívidas, gerando menos trabalho e menos riqueza.

Também existem estudos mostrando como custos de demissão afetam os índices de emprego. Por exemplo, um estudo de 2006 publicado no Review of Economics & Statistics estima que, nos EUA, a adoção de leis de proteção ao trabalho levaram a uma queda entre 0,8 e 1,7 pontos percentuais nos níveis de emprego (Autor, Donohue, and Schwab 2006). Os efeitos de curto prazo são mais severos para mulheres, jovens e indivíduos com nível educacional mais baixo, que são pessoas mais propensas a trocar de emprego. No longo prazo, os efeitos são mais pronunciados sobre a população mais velha e com maiores níveis de educação, mais propensa a acionar a justiça.

Um outro estudo conduzido com dados italianos mostra como que maiores custos de demissão levam a uma diminuição da atividade empreendedora, pois maiores custos levam a uma menor expectativa de lucros, diminuindo a atratividade de projetos e produzindo menos postos de trabalho (Kugler and Pica 2008), achado que é corroborado por outro estudo com dados dos EUA (Autor, Kerr, and Kugler 2007). Mais do que isso, existe evidência que aponta que maiores custos de demissão também torna mais difícil a recolocação no mercado de trabalho, como mostra um estudo com dados espanhóis publicado no European Economic Review (Canziani and Petrongolo 2001). A intuição é que, se uma firma se deu ao trabalho de dispensar um trabalhador, então ele deve ter alguma característica não desejável, como baixa produtividade. Portanto, a firma potencialmente contratante incorre não somente no custo de demissão, mas também no risco de contratar um trabalhador “ruim” (Kugler and Saint‐Paul 2004).

Mais custos de contratação, menor produtividade 

A produtividade é outro fator que custos de demissão afetam. Como ela determina a renda – pois, numa economia mais produtiva, o valor da mesma quantidade de trabalho é maior do que numa menos produtiva –, é justo afirmar que tais custos possuem um impacto negativo sobre a renda.

Simulações indicam que, se os EUA tivessem as barreiras de entrada e os custos de demissão de países de baixa renda, a produtividade total dos fatores (PTF) cairia em 27%, diminuindo portanto a renda dos trabalhadores americanos (Moscoso Boedo and Mukoyama 2012). Como se torna mais custoso demitir, a movimentação de trabalhadores de firmas menos produtivas para firmas mais produtivas é prejudicada, levando à queda na produtividade, ou faz com que firmas retenham trabalhadores pouco produtivos, ou ambos (Autor, Kerr, and Kugler 2007; Moscoso Boedo and Mukoyama 2012).

Um outro canal que induz a menor produtividade é o simples fato de que, em uma economia com maiores custos de demissão, a probabilidade de quem já está empregado ser demitido é mais baixa. Isso pode levar a um menor comprometimento do trabalhador, e é o que mostra um estudo com dados italianos após uma reforma de 1990 (Scoppa 2010). Scoppa estima que o nível de absenteísmo (faltas no local de trabalho) aumentou em 3 pontos percentuais nas firmas afetadas, ou quase 20% de aumento sobre o índice pré-reforma.

Considerações finais

Tomadas em conjunto, as evidências existentes apontam vários problemas criados pelas chamadas leis de proteção ao emprego.

Elas elevam os custos de demissão, modificando as decisões das firmas e causando impactos negativos sobre os próprios trabalhadores. Ao fim das contas, nem sempre essas leis conseguem realizar o que propõem.

Em vista da literatura econômica existente, é preciso fazer mais se o governo deseja tornar o mercado de trabalho brasileiro mais dinâmico e gerar mais empregos — o oposto do que partidários do petismo estão sinalizando.

Afinal, em um ambiente tão hostil à contratação, quem estaria disposto a correr o risco face a tantas incertezas macroeconômicas? Num plano maior, já passou da hora das forças políticas majoritárias no Brasil tomarem decisões baseadas em evidências, não mais em achismo ou populismo puro e simples.

 

Luan Sperandio é editor-chefe da casa de investimentos Apex Partners, analista político e colunista da Folha Vitória. Integra diversas organizações ligadas ao desenvolvimento de instituições com melhor ambiente de negócios, como o Ideias Radicais, o Instituto Mercado Popular e o Instituto Liberal. É associado do Instituto Líderes do Amanhã.

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