
Por Milena Carvalho – Grupo Explore
Nos bastidores da política mato-grossense, existe um debate que poucos enfrentam com a profundidade necessária: o medo. Um medo real, que paralisa parlamentares, bloqueia recursos e sufoca instituições que atuam no dia a dia das comunidades. Trata-se da insegurança jurídica que paira sobre as emendas parlamentares destinadas ao terceiro setor, uma realidade que tem limitado o potencial de transformação social em Mato Grosso.
A origem dessa paralisia está na dificuldade de interpretar e aplicar corretamente o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, instituído pela Lei Federal 13.019 de 2014. Embora a lei tenha sido criada para trazer transparência, controle e segurança às parcerias entre o poder público e as OSCs, a falta de regulamentação estadual clara e atualizada em Mato Grosso tem gerado um efeito contrário, promovendo insegurança, desinformação e travamento de repasses.
Os parlamentares querem investir no social. Muitos têm proximidade com instituições sérias, projetos relevantes e causas que defendem com legitimidade. No entanto, o receio de futuras investigações ou sanções por parte dos órgãos de controle os faz recuar. Esse medo não nasce do erro, mas da ausência de normativas claras, fluxos institucionais definidos e um ambiente de segurança jurídica. Na prática, temos um paradoxo: recursos disponíveis, projetos prontos, vontade política, e tudo paralisado.
Sem regulamentação estadual que dialogue com a realidade das OSCs e com o funcionamento das Assembleias Legislativas e Secretarias Executoras, o que prevalece é a subjetividade. Atualmente, existe uma Instrução Normativa que rege os termos de colaboração e fomento no Estado, mas ela está defasada, com lacunas técnicas e operacionais que não acompanham a complexidade e as exigências do Marco Regulatório Federal. Em vez de oferecer segurança jurídica, essa regulamentação ultrapassada gera insegurança e trava processos. Cada órgão interpreta de uma forma, cada projeto é analisado sob critérios diferentes, e as instituições ficam vulneráveis. Não há, por exemplo, um protocolo unificado sobre o que pode ou não ser executado por emenda, nem clareza sobre quais despesas são elegíveis, quais tipos de empresas podem prestar serviço ou como comprovar regularidade de forma objetiva. Esse vácuo normativo só favorece a burocracia e a estigmatização do terceiro setor.
A Lei 13.019 de 2014 não é o problema, ela é parte da solução. O Marco Regulatório foi criado justamente para substituir a lógica precária dos antigos convênios e termos informais por parcerias baseadas em planejamento, metas, resultados e prestação de contas estruturada. Através de instrumentos como o Termo de Colaboração e o Termo de Fomento, a lei oferece mecanismos modernos e transparentes de repasse. O problema é que essa legislação ainda não foi plenamente compreendida e incorporada na cultura institucional do Estado. E enquanto não houver capacitação técnica, regulamentação local e diálogo constante entre Poder Legislativo, Executivo, Controle e Sociedade Civil, seguiremos no impasse.
O momento exige coragem institucional. É preciso regulamentar a Lei 13.019 em Mato Grosso com um decreto claro, construído de forma participativa, capacitar parlamentares e assessorias para atuarem com segurança, estabelecer manuais operacionais objetivos, fomentar boas práticas de compliance e auditoria nas instituições que recebem recursos públicos, e incentivar a aproximação ética entre o parlamento e o terceiro setor, sem demonizar as parcerias legítimas.
Em tempos de crise social, econômica e institucional, não podemos desperdiçar o poder transformador do terceiro setor. O que falta não é vontade política ou projetos sérios, falta coragem para regulamentar, capacitar e agir. Enquanto a dúvida pairar, os recursos deixarão de chegar onde mais são necessários: na ponta. Destravar o terceiro setor é destravar políticas públicas de impacto, é garantir que a esperança continue sendo financiada com segurança, responsabilidade e resultados. Mas essa mudança não pode ser isolada
É preciso que parlamentares, governo estadual e órgãos de controle se posicionem como aliados, sentem à mesa com maturidade institucional e construam juntos caminhos possíveis, seguros e transparentes. Porque quando todas as partes envolvidas assumem corresponsabilidade, quem ganha é a sociedade.
Sobre a autora: Milena Carvalho é advogada de formação, empresária e fundadora do Grupo Explore, uma empresa especializada na estruturação e gestão de projetos do terceiro setor. Com atuação em Mato Grosso, a Explore é referência em planejamento estratégico, captação de recursos e assessoria de prestação de contas para organizações sociais, garantindo transparência e eficiência na execução de projetos de impacto.