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O ex-mafioso e a Democracia

Com conhecimento de causa, um ex-mafioso confirma aquilo que já sabíamos: o estado é uma máfia

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Dia das Bruxas, 31 de outubro de 1975. Michael Franzese, 24 anos, é levado para um local em Brooklin, Nova Iorque. Ele é conduzido a uma sala escura, onde estão vários membros da família Colombo: o don, o sottocapo, o consigliere e os 15 caporegimes. O don então se levanta e ordena: “Me dê sua mão.” Com uma faca, o chefão faz um pequeno corte no polegar do jovem Michael. Enquanto o sangue pinga, Michael segura a imagem de um santo, feita em cera, que é acesa, como uma vela. O don fala solenemente: “Michael Franzese, nesta noite você renasce em um nova vida dentro da Cosa Nostra. Conte o que sabe desta vida e morrerá. Traia seus irmãos e queimará no inferno, como esse santo está queimando agora. Aceita sua nova vida?” Michael responde: “Sim, aceito.” E, assim, Michael Franzese se torna oficialmente um mafioso.

Aquela vida não lhe era estranha. Seu pai, John Sonny Franzese, era o sottocapo, o subchefe, da família Colombo antes de ser preso em 1970. Sonny não queria que o filho entrasse para aquela vida, mas, após sua prisão, Michael não viu outra opção. Ele passou cinco anos como um associado até aquela fatídica noite no Dia das Bruxas, quando fez o juramento da omertà –a lei do silêncio e da lealdade – e se tornou um soldado da família Colombo, uma das cinco que controlavam Nova Iorque. Michael se mostrou um membro eficiente. Em 1980, foi promovido a caporegime, comandando uma equipe de 300 soldados. Ao longo dos anos 80, desenvolveu um esquema para desviar impostos federais cobrados na gasolina, que lhe rendia oito milhões de dólares semanais, ou trinta milhões em valores de hoje. “Ladrão que rouba ladrão…”

Michael conta que, durante seus anos na máfia, eles tinham infiltrado praticamente todas as indústrias no país. Eles controlavam os sindicatos, as empreiteiras e os portos. Subornavam os juízes, os políticos e os policiais. Usando essas conexões, ganhavam as licitações públicas. Eles controlavam todo o setor de apostas. Emprestavam dinheiro a taxas exorbitantes e, quando o empréstimo não era pago, tomavam os negócios para si. Michael era chamado de “Príncipe da Máfia”. Em 1985, a Fortune o colocou como o número 18 entre os “50 mafiosos mais ricos e poderosos”. A Vanity Fair o considerou o mafioso que mais fazia dinheiro desde Al Capone. Em 1986, foi acusado de sonegação. Ele fez um acordo com os promotores e aceitou uma pena de oito anos de prisão e a restituição de quinze milhões de dólares para os cofres públicos.

Uma vez na prisão, Michael leu o livro que é a inspiração para os mafiosos: “O Príncipe”, de Niccolò Machiavelli. Maquiavel é considerado por muitos o pai da ciência política moderna. Ele foi um diplomata italiano do século 16 e seu sobrenome acabou se tornando sinônimo de atos inescrupolosos. Em “O Príncipe”, Maquiavel recomenda que líderes abracem comportamentos imorais, incluindo agressão, mentira e fraude, para se manterem no poder. Eles devem fazer o que for necessário para manterem o controle. A teoria de Maquiavel era a filosofia que guiava a máfia: os mafiosos deveriam parecer honestos e respeitáveis, mas jamais poderiam deixar a ética e a moral atrapalharem seus planos. Na prisão, Michael também mergulhou na Bíblia e, em um momento de epifania, decidiu virar cristão e abandonar a vida criminal.

Michael Franzese estava quebrando a omertà. Isso o tornava um alvo. Porém, contra todos os prognósticos, conseguiu sobreviver. Ele é considerado o único mafioso de alto escalão que deixou a Cosa Nostra publicamente e continuou vivo para contar a história. Hoje ele tem vários negócios lícitos e possui um canal no YouTube com mais de 800,000 inscritos. Além disso, ele se tornou um escritor e vem publicando livros regularmente. O mais recente foi publicado há pouco tempo, em maio deste ano, e entrou até para a lista dos mais vendidos. O livro intitula-se Mafia Democracy, que poderíamos traduzir como “Democracia Mafiosa”. O seu subtítulo é: “Como Nossa República Se Tornou Uma Gangue”. Para nós, libertários, o título é até óbvio. Sabemos que estados são máfias. Contudo, é interessante ver um ex-mafioso perceber isso.

A partir do momento em que saiu da prisão, em 1994, Michael começou a prestar atenção à política. Ele viu o governo se tornar cada vez mais maquiavélico. Uma frase de Nancy Pelosi o impactou. Ela disse: “Se as pessoas estiverem o enganando na sua cara, você deve enganá-las na cara delas.” Para Michael, frases assim eram esperadas para chefões do crime organizado e não para políticos de alto escalão como ela. Santa ingenuidade, Michael! Ele relata que, na sua vida criminosa, lidou com muitos políticos corruptos. Mas ver políticos agindo como mafiosos era algo que o chocava. Ele notou que os políticos adotavam a filosofia maquiavélica da mesma forma que os dons. Isso não deveria espantar ninguém, já que Maquiavel escreveu “O Príncipe” justamente para os políticos, mas surpreendeu a Michael Franzese.

O ex-mafioso foi percebendo que o estado operava exatamente do mesmo jeito que a Cosa Nostra. Da mesma forma que a máfia cobrava o “pizzo“, a sua taxa de proteção, e aí de quem não pagasse, o estado cobra impostos, e ai de quem não pagar. Assim como a máfia obrigava os comerciantes a seguirem suas regras, sob ameaça de agressão e fechamento dos negócios, o estado obriga os comerciantes a seguirem suas regras, sob ameaça de agressão e fechamento dos negócios. Do mesmo modo que a máfia protegia seus ganhos e financiava suas atividades com o dinheiro dos outros, o estado protege seus ganhos e se financia com o suado dinheiro dos outros. Tal como a máfia, o estado cria regras draconianas que valem para os outros, mas não para os chefões e seus amigos. E a lista vai embora. Ambos são farinha do mesmo saco.

Além disso, ainda dentro do credo maquiavélico, tanto a Cosa Nostra quanto a máfia estatal sabiam que era necessário comprar boa parte da população, dando-lhes migalhas daquilo que era tomado à força do setor produtivo. Essa esmola recorrente dada à boa parte da população as mantinha passivas e cúmplices do conluio. Isso tornava as duas máfias, aos olhos de muitos, instituições necessárias para manter a ordem e corrigir as “injustiças sociais”. Esse verniz as legitimava socialmente e facilitava o verdadeiro objetivo: dar mais poder, controle e dinheiro aos que estavam nos postos mais altos das organizações. As promessas eram feitas para serem quebradas. De fato, quando mafiosos ou políticos mentem, estão apenas seguindo o conselho de Maquiavel: “A promessa feita foi apenas uma necessidade do passado.”

O livro é bem escrito, e sua leitura é bastante agradável. Contudo, ainda não está disponível em português. Espero que alguma editora se interesse em traduzi-lo. Michael conta ali várias histórias e dá muitos exemplos de comportamentos mafiosos de políticos. Ele ainda está na fase em que entendeu os problemas causados pelo Leviatã, mas não entendeu que este está funcionando da maneira com que foi desenhado para funcionar. O estado é exatamente isso, o bandido estacionário. Como Michael ainda está nessa fase, ele tenta encontrar soluções dentro do estado. E esse é o único ponto fraco do livro. Isso não vai acontecer, meu caro Michael. O estado é uma máfia, e os políticos são mafiosos. Tudo funcionando nos conformes. É, Michael, leia A anatomia Do Estado, do grande Rothbard, que tudo vai ficar claro para você.

 

Marco Batalha é biólogo, com mestrado e doutorado em Ecologia. Professor titular da Universidade Federal de São Carlos. Tem mais de 90 artigos científicos, publicados em revistas como Diversity and Distributions, Ecology, Oecologia, Oikos e Plant Ecology. Contribui com a redação e revisão de textos para o canal Ancap.SU e é autor do livro ‘O Ambientalista Libertário’.

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